Bazuca de 1,13 mil milhões para financiar inovação empresarial quer mais candidaturas portuguesas (Dinheiro Vivo | Portugal)
date: 11/02/2023
Conselho Europeu de Inovação já financiou 29 startups portuguesas através do EIC Accelerator e quer continuar a ajudar a criar empresas capazes de competir com gigantes americanas e chinesas em 2023. Apoios podem chegar aos 17,5 milhões de euros por projeto.
Criar gigantes capazes de fazer frente às Google e Alibaba desta vida é a grande ambição do Conselho Europeu de Inovação (CEI). Para ficar mais próximo da meta, o organismo público disponibilizou para este ano uma bazuca de 1,13 mil milhões de euros, que vai servir para financiar a inovação das Pequenas e Médias Empresas (PME) do continente, através do programa EIC Accelerator.
"Apesar de ser a fonte de conhecimento de muita inovação que acontece no âmbito empresarial, a Europa tem tido dificuldade em se afirmar, em criar negócios de grande dimensão e de escala internacional que efetivamente podem ajudar ao desenvolvimento económico e social. As grandes empresas deste setor são hoje, essencialmente, americanas ou chinesas", nota Carlos Oliveira, embaixador do CEI em Portugal, em entrevista ao Dinheiro Vivo.
Com a mudança de paradigma em perspetiva, o programa, focado em encontrar tecnologias disruptivas, oferece sobretudo a startups e scaleups a oportunidade de obterem um investimento direto em capital de risco até 15 milhões de euros e um incentivo não reembolsável para custos com o desenvolvimento da solução até 2,5 milhões. A par, proporciona ainda orientação e mentoria aos empreendedores. As candidaturas estão abertas em permanência, havendo vários períodos de aprovação em bloco.
Quem pelo crivo passa, conquista um "enorme selo de qualidade e aceitação" que depois ajuda inclusive a trazer outros investidores e a dar o passo seguinte, destaca o também presidente da Fundação José Neves (FJN), revelando que, por cada euro investido pelo CEI numa empresa, há cerca de 2,6 euros adicionais que são aplicados por privados - "um efeito multiplicador" que ajuda a ultrapassar a barreira do acesso ao capital, por se estar "nas luzes da ribalta", aponta.
Desde 2018, o Conselho Europeu de Inovação - que, recorde-se, é uma herança deixada por Carlos Moedas, dos seus tempos de comissário europeu para a Investigação, Inovação e Ciência -, já apoiou mais de 1600 empresas em fase de arranque em toda a Europa, dando origem a 12 unicórnios de deep tech e a 112 companhias com avaliações superiores a 100 milhões de euros. Daquele universo, Portugal assume uma quota-parte de 29 startups, que receberam um investimento global de 58 milhões. Contudo, e embora exista já "algum crédito firmado", "precisamos de mais candidaturas" lusas, vinca o embaixador.
Ao contrário de outros programas disponíveis a nível nacional, que são liderados por entidades portuguesas apesar de terem fundos europeus, o EIC Accelerator é gerido em Bruxelas, sendo as candidaturas remetidas e avaliadas diretamente por equipas do organismo. "Não estamos à procura [de projetos] por país, não há uma verba definida para cada região. As empresas candidatam-se independentemente da sua origem e, quanto melhor forem as suas ideias, mais potencial têm de ser apoiadas com incentivos muito significativos", explica Carlos Oliveira.
Em concreto, o EIC Accelerator encontra-se dividido em duas componentes: o Open, com uma dotação de 613 milhões de euros, destinado a negócios inovadores em qualquer segmento, e o Challenges, com um orçamento de 524 milhões, que procura ideias diferenciadoras em tópicos mais específicos como o cancro, o armazenamento de energia e a agricultura resiliente.
Num país onde o acesso ao capital inicial revela-se, na maioria das vezes, "complexo", esta é uma fonte de financiamento que assume relevância para os fazedores portugueses que, apesar de estarem a concorrer num ambiente mais competitivo, "não devem deixar de o fazer", remata o representante.
No European Innovation Scoreboard 2022, que coloca os 27 países da União Europeia (UE) em posições relativas face à sua capacidade de inovação, com referência a dados de 2021, o país recebeu a classificação de "Inovador Moderado", assumindo a 17.ª posição da tabela. Ainda que o valor alcançado tenha aumentado 6,4% face a 2015, continuou aquém da média da UE (9,9%).
Carlos Oliveira defende que durante as últimas décadas tem havido um "progresso positivo nesse sentido", especialmente no que à inovação que leva a novos produtos e negócios diz respeito -, no entanto, este avanço é ainda insuficiente para que a economia portuguesa aumente a sua produtividade e exportações para os níveis que seriam desejáveis. A fonte deste problema, garante, "não está seguramente na falta de conhecimento tecnológico".
Além do capital, que é primordial para se conseguir escalar o negócio e ter dimensão, o embaixador do Conselho Europeu de Inovação considera que existem outros desafios relacionados com "a capacidade de sabermos vender e fazer marketing daquilo que são os nossos produtos e a nossa inovação disruptiva", e com o facto de não "estabelecermos parcerias de dimensão internacional que vão para lá das nossas fronteiras".
"Há em Portugal a necessidade de saber vender bem o produto e posicionarmo-nos nas redes europeias e internacionais de potenciais clientes. Este é um caminho importante para a nossa inovação poder ter sucesso e conseguirmos ter empresas de grande dimensão fundadas por portugueses e, de preferência, por cá sediadas." Ora, aqui está um dos mais relevantes pontos a serem trabalhados: das sete startups fundadas por portugueses e que alcançaram o estatuto de unicórnio, isto é, que atingiram uma valorização de mil milhões de dólares, apenas uma está sediada no país - e isto "acontece por várias razões".
Segundo o presidente da FJN, para ter mais empreendimentos desta dimensão em território nacional é preciso melhorar em vários aspetos, nomeadamente no que toca a políticas públicas, justiça comercial e quadro fiscal. Também o desafio da atração e retenção do talento em volume "é fundamental", já que aquele tipo de empresas vive de pessoas com competência e educação adequada.
"Precisamos de ter um contexto de competitividade fiscal, um sistema de justiça que funcione em tempo útil e acesso a capital em maior escala. Por outro lado, as políticas públicas têm de trabalhar a questão do talento, porque se tivermos profissionais portugueses a trabalhar remotamente para empresas de outros países, serão ótimas notícias porque têm bons salários para alavancar o consumo cá dentro, mas, do ponto de vista do contributo para o desenvolvimento da nossa economia, é mais marginal esse efeito", reflete.
Tornar mais competitivas as empresas para serem capazes de pagar melhores salários e reterem os colaboradores, assim como aumentar o volume de talento, quer seja pela qualificação dos profissionais ou pela atração de estrangeiros, deverão ser prioridades. E embora estas sejam reformas com alguma "estruturalidade", Carlos Oliveira admite que um governo de maioria absoluta "está numa ótima posição para o fazer", caso assim o deseje.